
Afirmamos que a Comunidade do Horto é territorialidade guardiã de uma memória fundada na ancestralidade africana. Sua origem remonta ao Brasil colonial, nos tempos dos engenhos de açúcar e das plantações de café, ou seja, os tempos da escravidão. Embora a construção do Jardim Botânico do Rio de Janeiro tenha sido um marco na ocupação da localidade, segundo a pesquisadora Laura Olivieri a região foi ocupada de fato em 1596, com a inauguração do Engenho D’El Rey, fundado pelo governador Cristóvão de Barros (1571-1575) e administrado, posteriormente, por Antônio Salema até 1577. A princípio houve a tentativa de utilizar mão-de-obra indígena escravizada, mas com o fracasso da empreitada, Antônio Salema dizimou as comunidades indígenas e substituiu a força de trabalho pela mão-de-obra africana escravizada. Assim se inicia a presença africana na região, que, mesmo sob o regime escravista, resiste e continua produzindo saberes e modos de vida repletos de africanidade.
A Comunidade do Horto sabe da existência de seus ancestrais, cuja presença encontra-se abaixo dos seus pés, pois as senzalas e seus respectivos cemitérios, espalhados pelo território, continuam presentes no imaginário comunitário. Os moradores seguem contando a história de seus ancestrais e reivindicam seu direito não só de moradia, fortemente ameaçada desde a década de 1980, mas sua memória e seu pertencimento ao território.
Trazendo à tona uma memória que é propagada pela oralidade, os moradores e moradoras da Comunidade do Horto contam as histórias acerca da presença africana e indígena no território, apontando inclusive locais onde existiam as senzalas e cemitérios de escravizados. Desse modo, a ligação da Comunidade do Horto com seu território expressa sentidos de ancestralidade e memória articulados.
Até o presente momento, a Comunidade do Horto é formada majoritariamente por uma população negra. O modo de vida comunitário estabelecido pelos moradores e moradoras evidencia a recomposição da herança africana no Brasil. A ancestralidade e a memória são tecnologias contracoloniais desenvolvidas e mobilizadas por essa territorialidade negra para combater o lugar de silenciamento, apagamento, criminalização e opressão histórico-social/colonial/racial no qual os atores contrários à sua permanência tentam a todo custo empurrá-la. Assim, a Comunidade do Horto é agente de uma experiência afrodiaspórica com pedagogia própria, que encontrou na museologia social uma ferramenta eficiente para contar sua própria história e, nas feijoadas com rodas de samba, nos blocos de carnaval, festas juninas e de primavera, um modo de expressar sua cultura e seu sentido comunitário.
A própria criação coletiva do Museu do Horto demonstra o desejo de reafirmar as raízes africanas desta territorialidade e, assim, reterritorializar e conservar sua memória ancestral para, a partir dela, fortalecer o sentimento de pertencimento ao território.
Autora: Carolina Câmara Pires dos Santos